"O
ESPÍRITO DA COISA..."
Esta semana é
semana santa… Domingo é Páscoa… portanto resolvi “pegar leve” na coluna desta
semana, e apenas transcrever para vocês, leitores e leitoras, um texto que eu
já li há algum tempo, e que reputo como um dos mais interessantes que já li
sobre uma palavra da nossa língua mãe, o Português. A palavra é COISA, e
o texto foi publicado na Revista da Língua Portuguesa, ano I, no 12
em 2006, por Francicarlos Diniz. Esse texto também vem circulando na Internet
desde uma transcrição colocada no blog ESTROLÁBIO (http://estrolabio.blogs.sapo.pt/1565691.html)
por Carlos Leça da Veiga em 18 de Junho de 2011. Vamos lá:
“COISA: uma
coisa boa de ler... A palavra COISA
é um bombril do idioma. Tem mil e uma
utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre
que nos faltam palavras para exprimir uma idéia. COISAS do Português. A
natureza das COISAS: gramaticalmente, COISA pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode
ser verbo: o Houaiss registra a forma COISIFICAR.
E no Nordeste há COISAR: "Ô, seu COISINHA,
você já COISOU aquela COISA que eu mandei você COISAR?".
COISAR, em
Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as COISAS nordestinas
são sinônimas dos órgãos genitais,
registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe
beijava os pés, as COISAS, os
seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, COISA
também é cigarro de maconha. Em Olinda,
o bloco carnavalesco Segura a COISA tem um
baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta:
"Segura a COISA com muito cuidado /
Que eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande,
há também o Segura a COISINHA.
Na literatura, a COISA é COISA antiga. Antiga,
mas modernista: Oswald de Andrade
escreveu a crônica O COISA em 1943. A COISA é título de romance de Stephen
King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das COISAS, e Michel Foucault, As
Palavras e as COISAS. Em Minas Gerais, todas as COISAS são chamadas de trem.
Menos o trem, que lá é chamado de "a COISA". A mãe está com a filha
na estação, o trem se aproxima e ela
diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem
a COISA! ".
Devido lugar: "Olha que COISA mais linda, mais
cheia de graça (...) ". A garota de
Ipanema era COISA de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar, se ela voltar / Que COISA linda /
Que COISA louca." COISAS de Jobim e
de Vinicius, que sabiam das COISAS. Sampa também tem dessas COISAS (COISA de
louco!), seja quando canta "Alguma COISA acontece no meu coração", de
Caetano Veloso, ou quando vê o Show de
Calouros, do Silvio Santos (que é COISA nossa).
COISA não tem sexo: pode ser
masculino ou feminino. COISA-ruim é o
capeta. COISA boa é a Juliana Paes. Nunca vi COISA assim! COISA de cinema! A COISA
virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu COISA no recente Quarteto
Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho
animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo
Madureira faz o personagem "COISINHA de Jesus".
COISA também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "COISA nenhuma" vira "COISÍSSIMA". Mas a COISA tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras COISAS que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando COISAS de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a COISA tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as COISAS: "COISA linda / COISA que eu adoro".
COISA também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "COISA nenhuma" vira "COISÍSSIMA". Mas a COISA tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras COISAS que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando COISAS de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a COISA tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as COISAS: "COISA linda / COISA que eu adoro".
Cheio das COISAS. As mesmas COISAS, COISA bonita, COISAS do
coração, COISAS que não se esquece, Diga-me COISAS bonitas, Tem COISAS que a
gente não tira do coração. Todas essas COISAS são títulos de canções
interpretadas por Roberto Carlos, o "rei" das COISAS. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as
COISAS. Para Maria Bethânia, o diminutivo de COISA é uma questão de quantidade
(afinal, "são tantas COISINHAS miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô COISINHA
tão bonitinha do pai"). Todas as COISAS
e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer COISA...Já qualquer COISA
doida dentro mexe." Essa COISA doida é
uma citação da música Qualquer COISA, de Caetano, que canta também:
"Alguma COISA está fora da ordem."
Por essas e por outras, é preciso
colocar cada COISA no devido lugar. Uma COISA de cada vez, é claro, pois uma COISA
é uma COISA; outra COISA é outra COISA. E tal e COISA, e COISA e tal. O cheio
de COISAS é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das COISAS, por
sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra COISA. Para o pobre, a COISA
está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra COISA nenhuma. A COISA pública
não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na
oposição é uma COISA, mas, quando assume o poder, a COISA muda de figura.
Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a COISA vai ". COISA
nenhuma! A COISA fica na mesma. Uma COISA
é falar; outra é fazer. COISA feia! O eleitor já está cheio dessas COISAS!
COISA
à toa. Se você aceita qualquer COISA, logo se torna um COISA qualquer, um COISA-à-toa.
Numa crítica feroz a esse estado de COISAS, no poema Eu, Etiqueta, Drummond
radicaliza: "Meu nome novo é COISA.
Eu sou a COISA, COISAMENTE." E, no verso do poeta, "COISA" vira "COUSA". Se as pessoas foram feitas para ser amadas e
as COISAS, para serem usadas, por que então nós amamos tanto as COISAS e usamos
tanto as pessoas? Bote uma COISA na cabeça: as melhores COISAS da vida não são COISAS.
Há COISAS que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras COSITAS más.
Mas,
"deixemos de COISA, cuidemos da vida, senão chega a morte ou COISA
parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de
Cecília Meireles, uma COISA linda. Por isso, faça a COISA certa e não esqueça o
grande mandamento: "amarás a Deus sobre
todas as COISAS". Entendeu o espírito da COISA ?”
Uma Feliz
COISA... quer dizer, Feliz Páscoa! E uma Boa Semana a todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da
computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com).
(PENSAMENTOS No 12/2013 – Jornal da Região – ANO XIX, No 1018
– 29/03/2013).
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