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quarta-feira, 24 de abril de 2013

AS BOMBAS EM BOSTON

Tamarlan e Dzhokhar Tarnaev


Mapa Politico do Cáucaso


"AS BOMBAS EM BOSTON"

Enquanto o Presidente Barack Obama faz campanha para uma reforma de base no sistema de imigração Americano, o povo Americano anda se perguntando o que realmente aconteceu, ou como se explica a ação terrorista dos irmãos Tsarnaev próxima à linha de chegada da maratona da cidade de Boston na Segunda-feira da semana passada. Já antecipando um pano de fundo polêmico para o debate que se aproxima, vários senadores Americanos comentaram em plenário se esse evento nefasto não deveria ser parte integrante do debate.
Já sob custódia o irmão mais novo Dzhokhar (19 anos), e morto em confronto com a polícia durante a apreensão o irmão mais velho Tamarlan (26 anos), a pergunta que ocupa a mente do povo Americano é o que levou esses homens de família originada na Chechênia (república da extinta União Soviética, que continua sob controle federal da Rússia), mas radicados nos Estados Unidos em boa parte da última década, a perpetrar ações que resultaram na morte e aleijamento de expectadores inocentes da maratona que se desenrolava. Um pouco de história da Chechênia talvez adicione perspectiva relevante:
Deslocados primeiramente por Stalin, desconfiado e vingativo, e depois pela violência indiscriminada de duas guerras separatistas desde a extincão da União Soviética, os Chechênios devem se sentir como se vivessem ao mesmo tempo dentro e fora de sua pátria. Os irmãos Tsarnaev, antes de acabarem nos arredores de Boston, trilharam um caminho longo e cheio de obstáculos conhecido por muitos de seus compatriotas: passagem de saída pelo Quirguistão, um país montanhoso situado na Ásia Central, e pelo Daguestão, uma república muçulmana na Rússia que tem fronteira ao Leste da Chechênia.
Poder-se-ia imaginar que êles tivessem ficado alheios ao conflito étnico que praticamente definiu a região Norte do Cáucaso (faixa de terra que separa o Mar Negro do Mar Cáspio, na Ásia) onde fica a Chechênia, na última década. O que começou como uma guerra nacionalista de separatismo no início da década de 90 transformou-se em uma insurgência muçulmana que se espalhou por todas as outras repúblicas da região Norte do Cáucaso: a Inguchetia, a Cabárdia-Balcária, a Chechênia, e principalmente o Daguestão, onde o menino Dzhokhar frequentou escola por alguns anos. O conflito hoje se assemelha a uma sangrenta guerra civil, nutrida por facções mais violentas do Islamismo Salafi e um ciclo interminável de assassinatos motivados por vingança.
Em toda a região Norte do Cáucaso, a polícia faz frente a militantes que se agrupam em células locais que variam em tamanho e sofisticação desde alguns adolescentes assistindo filmes de “Jihad” (Guerra Santa) até milícias organizadas hierarquicamente e armadas. Um coquetel de violência, pobreza, e em alguns lugares total dissolução de governo abriu caminho para a instalação do Salafismo, uma variedade extremista do Islã com raízes na Arábia Saudita. Na ausência de praticamente TUDO, o senso de ordem e auto-organização do Salafismo oferece uma alternativa para a situação caótica do povo de ser apenas um espectador impotente da sua desgraça.
Muitos adeptos ao Salafismo na região são declaradamente pacíficos, embora religiosamente conservadores. Eles pregam o desejo de serem deixados em paz para viverem em comunidades autônomas regradas pela Lei de Sharia. Mas os mais militantes entre eles embrenharam-se nas montanhas em um movimento de resistência que sonha com um Emirado muçulmano unificado em todo o Cáucaso. A maioria dos que vivem na região Norte do Cáucaso sentem-se “entre a cruz e a caldeirinha”, entre um estado perpetuamente apavorado do que pode representar uma base de poder independente do Salafismo, ainda que pacífico, e os rebeldes muçulmanos. Estes, até por procurarem comida nas cidades antes de retornarem aos acampamentos nas montanhas tornam-se alvo fácil para a polícia. As autoridades locais têm apelado para repressões paranóicas e indiscriminadas, tratando todos os Salafis como terroristas em potencial.
Moscou parece ter esgotado sua energia e suas idéias para resolver o conflito no Cáucaso, o qual corre portanto o risco real de ter se tornado insolúvel. A Chechênia foi recentemente pacificada, pelo menos superficialmente, por um governante local excêntrico e brutal chamado Ramzan Kadyrov, Presidente aos 36 anos de idade, sob a graça de Moscou… A capital Grozny está passando por uma reconstrução incrível, com uma nova rede de avenidas com canteiros gramados e fontes com jatos d’água iluminados por holofotes coloridos, a principal delas chamada (sem surpresas…) “Putin Prospect”, desde que os milhões de dólares financiando a obra estão sendo injetados por Moscou.
Mas está na hora de voltar aos irmãos Tsarnaev… será que eles foram protagonistas de um evento do terrorismo chechênio nos Estados Unidos…? Pouco provável, desde que NUNCA houve qualquer ato desse tipo nos países do Oeste ligados à militância chechênia, ou do Cáucaso, embora o líder dessa militância, Doku Umarov tenha declarado em 2007 que “quem declara guerra ao Islã e muçulmanos é um alvo em potencial”.
O Presidente Kadyrov, conhecido pela volatilidade de seus pronunciamentos, pronunciou-se a respeito do ocorrido em Boston dizendo que as raízes do mal perpetrado pelos chechênios Tsarnaev poderiam também ser encontradas na América. O “website” Kavkaz Center, que é conhecido como o porta-voz dos rebeldes do Cáucaso, geralmente glorifica atos terroristas por eles praticados localmente, mas no caso de Boston, foi feito de tudo para provar que não havia absolutamente qualquer ligação entre a militância do Cáucaso e os irmãos Tsarnaev.
Com esse pano de fundo descrito acima para os anos formativos de suas vidas, muito provavelmente eles não seriam pessoas cujas características principais de caráter seriam a estabilidade, a vontade de vencer, a perseverança; em outras palavras, líderes em suas áreas de ação, social ou profissional. Seria mais lógico que fossem extremos sobreviventes, apenas isso… sobreviventes. Eu posso lhes dizer, por experiência própria, que a cultura Americana não lida muito bem com apenas sobreviventes, e é construida em sua totalidade para construir e louvar os líderes. Assistindo a qualquer evento esportivo Americano, nota-se que todos, sem exceção, buscam ser o #1 no que fazem, e não só no esporte, mas em TUDO. Isso não é de se estranhar, desde que um país nada mais é do que a somatória das atitudes, ações, e conhecimento dos seus cidadãos. A liderança de um país vem da liderança de seus cidadãos.
Desde a tenra idade, crianças americanas, e aquelas que têm o privilégio de passar na América seus anos formativos, são expostos a uma capacidade FERRENHA de competir. A vida nos Estados Unidos, ao contrário do que muitos pensam, sem conhecimento de causa, é dura e intensa, exatamente pelo alto nível de competição presente em todos os aspectos dentro dos quais ela se desenrola. Uma sociedade talhada para aqueles que procuram ser sempre os melhores entre os melhores em tudo que fazem. #1! O problema é que só há espaço para um #1 em cada atividade, ainda que a sociedade seja estratificada o suficiente para acomodar os números 2, 3, 4, etc. com a melhor qualidade de vida que eu conheço, tendo viajado por boa parte deste nosso mundo.
Não há, no entanto, muita paciência com os apenas sobreviventes. Essa armadilha às vezes pega também jovens Americanos, como é o caso de Timothy McVeigh, que plantou a bomba que destruiu o prédio do governo federal Americano Alfred P. Murrah em Oklahoma City, no estado de Oklahoma, em 19 de Abril de 1995. Quando pressionados, todos os seres vivos, inclusive os humanos, revertem aos seus instintos básicos, aqueles que foram aprendidos em seus anos formativos.
Minha impressão é que isso foi o que ocorreu com os irmãos Tsarnaev; hoje um está morto, e o outro muito provavelmente receberá a pena capital pelo ato impensável que cometeu. A melhor corroboração disso veio da declaração de um outro Tsarnaev que reside no estado de Maryland, também nos Estados Unidos; tio dos dois rapazes em questão, descreveu-os como “PERDEDORES que não sabiam o que fazer com si mesmo na América, e portanto acabaram odiando a todos aqueles que sabiam…”. Boa semana a todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 16/2013 – Jornal da Região – ANO XIX, No 1022 26/04/2013).

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