Tamarlan e Dzhokhar Tarnaev |
Mapa Politico do Cáucaso |
"AS
BOMBAS EM BOSTON"
Enquanto o
Presidente Barack Obama faz campanha para uma reforma de base no sistema de
imigração Americano, o povo Americano anda se perguntando o que realmente
aconteceu, ou como se explica a ação terrorista dos irmãos Tsarnaev próxima à
linha de chegada da maratona da cidade de Boston na Segunda-feira da semana
passada. Já antecipando um pano de fundo polêmico para o debate que se
aproxima, vários senadores Americanos comentaram em plenário se esse evento
nefasto não deveria ser parte integrante do debate.
Já sob custódia o irmão
mais novo Dzhokhar (19 anos), e morto em confronto com a polícia durante a
apreensão o irmão mais velho Tamarlan (26 anos), a pergunta que ocupa a mente
do povo Americano é o que levou esses homens de família originada na Chechênia
(república da extinta União Soviética, que continua sob controle federal da
Rússia), mas radicados nos Estados Unidos em boa parte da última década, a perpetrar
ações que resultaram na morte e aleijamento de expectadores inocentes da
maratona que se desenrolava. Um pouco de história da Chechênia talvez adicione
perspectiva relevante:
Deslocados primeiramente por Stalin, desconfiado e
vingativo, e depois pela violência indiscriminada de duas guerras separatistas
desde a extincão da União Soviética, os Chechênios devem se sentir como se
vivessem ao mesmo tempo dentro e fora de sua pátria. Os irmãos Tsarnaev, antes
de acabarem nos arredores de Boston, trilharam um caminho longo e cheio de
obstáculos conhecido por muitos de seus compatriotas: passagem de saída pelo
Quirguistão, um país montanhoso situado na Ásia Central, e pelo Daguestão, uma
república muçulmana na Rússia que tem fronteira ao Leste da Chechênia.
Poder-se-ia imaginar que êles tivessem ficado alheios ao conflito étnico que praticamente
definiu a região Norte do Cáucaso (faixa de terra que separa o Mar Negro do Mar
Cáspio, na Ásia) onde fica a Chechênia, na última década. O que começou como
uma guerra nacionalista de separatismo no início da década de 90 transformou-se
em uma insurgência muçulmana que se espalhou por todas as outras repúblicas da
região Norte do Cáucaso: a Inguchetia, a Cabárdia-Balcária, a Chechênia, e
principalmente o Daguestão, onde o menino Dzhokhar frequentou escola por alguns
anos. O conflito hoje se assemelha a uma sangrenta guerra civil, nutrida por
facções mais violentas do Islamismo Salafi e um ciclo interminável de
assassinatos motivados por vingança.
Em toda a região Norte do Cáucaso, a
polícia faz frente a militantes que se agrupam em células locais que variam em
tamanho e sofisticação desde alguns adolescentes assistindo filmes de “Jihad” (Guerra
Santa) até milícias organizadas hierarquicamente e armadas. Um coquetel de
violência, pobreza, e em alguns lugares total dissolução de governo abriu
caminho para a instalação do Salafismo, uma variedade extremista do Islã com
raízes na Arábia Saudita. Na ausência de praticamente TUDO, o senso de ordem e
auto-organização do Salafismo oferece uma alternativa para a situação caótica
do povo de ser apenas um espectador impotente da sua desgraça.
Muitos adeptos
ao Salafismo na região são declaradamente pacíficos, embora religiosamente
conservadores. Eles pregam o desejo de serem deixados em paz para viverem em
comunidades autônomas regradas pela Lei de Sharia. Mas os mais militantes entre
eles embrenharam-se nas montanhas em um movimento de resistência que sonha com
um Emirado muçulmano unificado em todo o Cáucaso. A maioria dos que vivem na
região Norte do Cáucaso sentem-se “entre a cruz e a caldeirinha”, entre um
estado perpetuamente apavorado do que pode representar uma base de poder
independente do Salafismo, ainda que pacífico, e os rebeldes muçulmanos. Estes,
até por procurarem comida nas cidades antes de retornarem aos acampamentos nas
montanhas tornam-se alvo fácil para a polícia. As autoridades locais têm
apelado para repressões paranóicas e indiscriminadas, tratando todos os Salafis
como terroristas em potencial.
Moscou parece ter esgotado sua energia e suas
idéias para resolver o conflito no Cáucaso, o qual corre portanto o risco real
de ter se tornado insolúvel. A Chechênia foi recentemente pacificada, pelo
menos superficialmente, por um governante local excêntrico e brutal chamado
Ramzan Kadyrov, Presidente aos 36 anos de idade, sob a graça de Moscou… A capital
Grozny está passando por uma reconstrução incrível, com uma nova rede de avenidas
com canteiros gramados e fontes com jatos d’água iluminados por holofotes
coloridos, a principal delas chamada (sem surpresas…) “Putin Prospect”, desde
que os milhões de dólares financiando a obra estão sendo injetados por Moscou.
Mas está na hora de voltar aos irmãos Tsarnaev… será que eles foram
protagonistas de um evento do terrorismo chechênio nos Estados Unidos…? Pouco
provável, desde que NUNCA houve qualquer ato desse tipo nos países do Oeste
ligados à militância chechênia, ou do Cáucaso, embora o líder dessa militância,
Doku Umarov tenha declarado em 2007 que “quem declara guerra ao Islã e
muçulmanos é um alvo em potencial”.
O Presidente Kadyrov, conhecido pela volatilidade
de seus pronunciamentos, pronunciou-se a respeito do ocorrido em Boston dizendo
que as raízes do mal perpetrado pelos chechênios Tsarnaev poderiam também ser
encontradas na América. O “website” Kavkaz Center, que é conhecido como o
porta-voz dos rebeldes do Cáucaso, geralmente glorifica atos terroristas por
eles praticados localmente, mas no caso de Boston, foi feito de tudo para
provar que não havia absolutamente qualquer ligação entre a militância do
Cáucaso e os irmãos Tsarnaev.
Com esse pano de fundo descrito acima para os
anos formativos de suas vidas, muito provavelmente eles não seriam pessoas
cujas características principais de caráter seriam a estabilidade, a vontade de
vencer, a perseverança; em outras palavras, líderes em suas áreas de ação,
social ou profissional. Seria mais lógico que fossem extremos sobreviventes,
apenas isso… sobreviventes. Eu posso lhes dizer, por experiência própria, que a
cultura Americana não lida muito bem com apenas sobreviventes, e é construida
em sua totalidade para construir e louvar os líderes. Assistindo a qualquer
evento esportivo Americano, nota-se que todos, sem exceção, buscam ser o #1
no que fazem, e não só no esporte, mas em TUDO. Isso não é de se estranhar,
desde que um país nada mais é do que a somatória das atitudes, ações, e
conhecimento dos seus cidadãos. A liderança de um país vem da liderança de seus
cidadãos.
Desde a tenra idade, crianças americanas, e aquelas que têm o
privilégio de passar na América seus anos formativos, são expostos a uma capacidade
FERRENHA de competir. A vida nos Estados Unidos, ao contrário do que muitos
pensam, sem conhecimento de causa, é dura e intensa, exatamente pelo alto nível
de competição presente em todos os aspectos dentro dos quais ela se desenrola.
Uma sociedade talhada para aqueles que procuram ser sempre os melhores entre os
melhores em tudo que fazem. #1! O problema é que só há espaço para um
#1 em cada atividade, ainda que a sociedade seja estratificada o suficiente
para acomodar os números 2, 3, 4, etc. com a melhor qualidade de vida que eu
conheço, tendo viajado por boa parte deste nosso mundo.
Não há, no entanto,
muita paciência com os apenas sobreviventes. Essa armadilha às vezes pega
também jovens Americanos, como é o caso de Timothy McVeigh, que plantou a bomba
que destruiu o prédio do governo federal Americano Alfred P. Murrah em Oklahoma
City, no estado de Oklahoma, em 19 de Abril de 1995. Quando pressionados, todos
os seres vivos, inclusive os humanos, revertem aos seus instintos básicos,
aqueles que foram aprendidos em seus anos formativos.
Minha impressão é que
isso foi o que ocorreu com os irmãos Tsarnaev; hoje um está morto, e o outro
muito provavelmente receberá a pena capital pelo ato impensável que cometeu. A
melhor corroboração disso veio da declaração de um outro Tsarnaev que reside no
estado de Maryland, também nos Estados Unidos; tio dos dois rapazes em questão,
descreveu-os como “PERDEDORES que não sabiam o que fazer com si mesmo na
América, e portanto acabaram odiando a todos aqueles que sabiam…”. Boa semana a
todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da
computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 16/2013 – Jornal da Região – ANO XIX, No 1022
– 26/04/2013).
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