“O CONCURSO DE REDAÇÃO DA UNESCO – PONDO OS
PINGOS NOS I’s”
A Internet, para quem tem acesso a ela, parece a
“mãe” de todas as mídias, e ilude um pouco levando a pensar que seu alcance é
maior do que realmente é, particularmente em um país emergente como o Brasil.
Não se deve esquecer que o acesso à
Internet depende da disponibilidade de um computador (certo… ou um “tablet” ou
um “smart phone”… todos computadores com nomes sofisticados) e rede de acesso,
portanto em termos de Povo Brasileiro, como um todo, o alcance ainda é parco.
Isso sem contar o nível de escolaridade e conforto básico no uso da tecnologia
necessários para uma “navegação” bem-sucedida. Eu sei que vocês, leitores e
leitoras, que sabem a minha formação (parágrafo no pé do texto), e principalmente
aqueles que me conhecem pessoalmente, devem estar estranhando a abertura destes
PENSAMENTOS, mas essa é a pura realidade.
Se vocês querem ter uma idéia prática
do que eu estou falando, vai aqui um exercício interessante: compareçam a uma
agência bancária, na verdade em qualquer lugar, mas principalmente em uma
cidade do interior, e observem por algumas horas o cidadão comum operar as
máquinas automáticas para depósitos, retiradas, consultas, etc. Salvo raras
exceções, o que se desenrola na sua frente parece mais uma sessão de “Vídeo
Cacetadas”, ou da “Câmara Indiscreta”. E em um tom um pouco mais sério,
descambando um pouco mais para a tragédia do que para a comédia, façam o
exercício na primeira semana de um mês, e cheguem à tal agência bancária em torno
da hora da abertura, quando se forma aquela loooonga fila de idosos que são
forçados a receber suas aposentadorias e pensões usando cartões e senhas nas
máquinas automáticas. É de dar pena…
Ah, dirão vocês, mas os bancos, nossos
“amigos” (“mui amigo”, como dizia o Jô Soares…), colocam aquelas mocinhas toda
produzidas para ajudar com a tecnologia, e isso mostra um outro aspecto sombrio
da tragicomédia que se desenrola, mais ou menos assim (o monólogo é da
mocinha…): “Alô, Seu Azarias… trouxe o cartãozinho e a senhinha?... Isso… vamos
ver aqui… Puuuxa, Seu Azarias, o Sr. só recebe issozinho??? Aaaaah, vamos lá
dentro falar com o gerentinho, e ele faz logo um emprestimozinho para o Sr… o
Sr. só põe a assinaturinha no papelzinho, e prontinho! O Sr. leva o DOBRO disso
para casa, e a mensalidadezinha é descontada diretamente da aposentadoriazinha…
o Sr. não precisa se preocupar…” E lá
vai o Seu Azarias, sem que ninguém tenha lhe falado o JURINHO que ele está
pagando… Eu já escrevi sobre isso nesta coluna há um tempo atrás, vejam lá no
meu blog: www.pensamentoscs.blogspot.com
Mas saimos um pouco do tema… é nesse contexto
da Internet que eu quero comentar sobre o concurso do título. Há vários anos
está circulando na Internet uma mensagem anunciando que uma estudante
brasileira venceu um concurso de redação da UNESCO concorrendo com ~50.000
candidatos, e o título da redação vencedora é: “PÁTRIA MADRASTA VIL”. Alguns
esclarecimentos: o concurso foi promovido em 2006-07 pela UNESCO Brazil para
estudantes de graduação nas Universidades brasileiras. Foi dado um tema básico
para todos os candidatos: “Como Vencer a Pobreza e a Desigualdade”. Foram
recebidos 41.329 textos, dos quais 100 foram escolhidos para fazerem parte de
uma publicação da UNESCO. O texto citado na mensagem é apenas UM desses cem, e
foi submetido por Clarice Zeitel Vianna
Silva, que na época era estudante da UFRJ – Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Eu concordo que vale a pena divulgá-lo, e por isso faço-o neste
veículo, adiantando que os outros 99 textos também proporcionam leitura
interessante (http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001576/157625m.pdf),
desde que mostram o pensamento daqueles que representam o futuro do país. Vamos
lá:
“Pátria
Madastra Vil: Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de
inexistência... Exagero de escassez... Contraditórios?? Então aí está! O novo
nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL. Porque o Brasil
nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência
de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade. O Brasil nada mais
é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de
contradições.
Há quem diga que "dos filhos deste solo és mãe
gentil.", mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição
que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil. A minha mãe não
"tapa o sol com a peneira". Não me daria, por exemplo, um lugar na
universidade sem ter-me dado uma bela formação básica. E mesmo há 200 anos
atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade
apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar,
iludir. Ela me daria um verdadeiro PACote que fosse efetivo na resolução do
problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade.
Ela sabe que de
nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade,
pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe
que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim,
igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil
precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse
sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que
transformem! A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes
(às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação
libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a
que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um
fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as
mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As
classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão
que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa
culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só
uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem
ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que
não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona? Talvez o
sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um
posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos...
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se:
quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser
tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?"
Clarice
escreveu isso em 2006… algum de vocês, leitores e leitoras, viu isso divulgado
na imprensa de massa (que não inclue a Internet)? A Clarice e praticamente
todos seus 99 colegas contemplados falam em seus artigos da importância da
educação. Será que o governo deu algum incentivo a eles como bolsas de estudos
para se aprofundarem em suas àreas de interesse? Não que eu saiba…
Enquanto
estivermos sob um governo para o qual a educação e o mérito são
contra-producentes, pois ele só consegue se manter no poder mantendo uma imensa
massa ignorante interessada apenas em esmolas de cunho eleitoreiro, aliada a
alguns poucos que têm educação mas são mal-intencionados, o Brasil continuará
sendo o país do futuro que nunca chega. O Brasil continuará sendo a “Madrasta
Vil” da Clarice e de todo o Povo Brasileiro, ao invés da “Mãe Gentil” do seu
hino. Boa semana a todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor
universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com).
(PENSAMENTOS No 21/2013 – Jornal da Região – ANO XIX, No 1027
- 31/05/2013).
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