"AS
MANIFESTAÇÕES POPULARES VISTAS DE FORA – Parte I"
No último mes e meio, em que estive
fora do Brasil, andando por vários outros países do mundo, e em “férias” deste
meu encontro semanal com voces, leitores e leitoras, muita coisa aconteceu por
aqui que foi notícia lá fora. Em
particular, as manifestações populares de rua, incluindo o vandalismo
aproveitador das reivindicações legítimas, ocuparam as manchetes mundiais.
Durante as minhas andanças, já havia decidido reiniciar o nosso contato,
leitores e leitoras, com este tema, pois encontrei várias nuances interessantes
nas interpretações do que está ocorrendo aqui por outras culturas,
principalmente as européias. Dando tratos à bola em como introduzir o tema, me
deparei com um artigo muito bom e completo do jornalista Matthias Matussek para
a última edição da revista alemã DER
SPIEGEL (a semelhança com meu sobrenome é mera coincidência… na verdade a
tradução literal do título para o Português é O ESPELHO) que bate em cima da minha visão sobre o assunto, portanto
vou traduzi-lo aqui para vocês nesta e na próxima semana, e no fim adiciono
alguns comentários pessoais.
A tradução do Alemão para o Inglês foi feita por
Christopher Sultan, e a tradução do Inglês para o Português é minha. Vamos lá!:
“Corrupção e Uso Inescrupuloso do Poder: Brasil Mergulha
Fundo na Revolta Popular - O Brasil vem apresentando um despertar econômico em anos
recentes, mas a democracia tem sofrido para acompanhá-lo. Com uma corrupção
política espalhada por toda a parte, protestos públicos surgiram em todo o
país, expondo uma classe média enraivecida! "A democracia Brasileira
nasceu nos dias em que o futebol Brasileiro estava morrendo". Esse é um
título tentador, mas é somente u'a meia verdade. A Seleção Brasileira, na
verdade, jogou melhor que o esperado na Copa das Confederações, uma espécia de
ensaio para a Copa do Mundo. Mas o futebol Brasileiro tem um caminho mais fácil
do que a democracia. Ele tem regras bem definidas, e os resultados são claros.
Democracia, no entanto, apresenta uma série infindável de tentativas e êrros, e
as regras mudam constantemente.
Exposição
- Uma regra se destaca acima de todas as outras neste momento no
Leblon-Ipanema, o lugar mais caro do Rio de Janeiro, se não de todo o
Brasil. Manifestantes montaram suas
tendas em frente à Mansão do Governador, e estão sendo forçados a obedecer o tempo alocado na
agenda para discursos, uma versão bem Brasileira do movimento “Occupy”(Ocupar).
“Três minutos!”, diz Bruno, o encarregado do cronômetro. Mas, ato contínuo, ele
mesmo ignora a regra. No horizonte, no fim da baía, as luzes da Favela do
Vidigal aparentam estrêlas, e uma brisa suave vem do mar. O cheiro intenso de
um churrasco vem de uma barraquinha próxima. Em frente às tendas, porém, o povo
está engajado em debates acalorados – da mesma maneira como em todo o país. O
Brasil acordou, e o povo exige ser escutado! Aqui, em particular, o “povo”
consiste em alguns estudantes de artes, umas poucas donas de casa, e alguns
aposentados… Luiza, por exemplo, é uma cantora de jazz que mora na vizinhança
“nouveau-riche” da Barra; Bárbara escreve poesia, e seus pais são professores;
Jair, um Rastafari vindo da Bahia jura que “vai morrer pela causa”! Todos
aplaudem entusiasticamente, e ainda assim, nenhum deles sabe exatamente o que
eles estão reivindicando. Formular as reivindicações parece ser o objetivo do
grupo, o qual eles chamam de “Aquarius”. A todos é dada a chance de falar. Um
jovem bombeiro, Álvaro, por exemplo, foi preso por alguns dias durante as
manifestações que começaram em meados de Junho na prisão de segurança maxima
Bangu 1, junto com outros 13 bombeiros. Ele está reivindicando ser
re-contratado pelo Corpo de Bombeiros, e também um salário melhor, e
treinamento para a Polícia Militar.
“Você não pode educar TODA a Humanidade”
– “O que??”os outros perguntam estupefatos. Álvaro explica sua fala,
dizendo que mais educação melhora as pessoas. “Mas você não pode educar toda a
humanidade. Isso levaria ANOS!”, diz Sylvia, uma das donas de casa. A discussão
segue intensa, até que o grupo resolve seguir para o próximo ítem. Rodrigo diz
que algo precisa ser feito com respeito aos alagamentos constantes no interior
do estado. Lúcio quer que os sem-teto sejam autorizados a retornar aos prédios
vazios dos quais eles foram expulsos. O aposentado Renato parece apenas
interessado em comer suas bananas; enquanto ele come a terceira, Lourdes, do
Vidigal, quer que sua casa seja consertada, desde que uma das paredes externas
foi danificada por um vizinho durante uma reforma. Em meio a essa colcha de
retalhos, um assunto parece mobilizar a todos: eles querem que o Governador
explique finalmente por que o governo
está gastando tanto dinheiro na reforma do Maracanã. Representantes haviam
inicialmente prometido que nem UM REAL de fundos arrecadados através de
impostos seriam usados. Mas agora o governo já investiu centenas de milhões de
reais no projeto. Conforme as reivindicações vão sendo listadas, uma coisa fica
bastante clara: Democracia é difícil! Mas o grupo também concorda em um tema central:
“Futebol é um ÓPIO para o povo, um sinal de imaturidade! Se a Seleção chegar
aqui agora em seu ônibus, não se distraiam com isso!”, diz Bruno de maneira
sarcástica. Não é sem ironia que as manifestações populares estão tirando
vantagem de um Festival do Futebol Brasileiro. E isso certamente também tem a
ver com a arrogância dos oficiais da FIFA, que “se refestelam em torno da
piscina chique do Copacabana Palace”… É o suficiente para lembrar a todos os
presentes de tudo que é ruim sobre o futebol: “corrupção, desperdício, e cinismo”!
Vasto e Raivoso – Mas… gastar bilhões em estádios que ninguém precisa,
só para fazer uma bela figura na Copa? Por exemplo, a construção de um estádio
em Manaus, no coração da Floresta Amazônica, uma cidade que nem tem um time de
primeira divisão, e que é tão quente que até o asfalto derrete?? A
administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que todos os
estados Brasileiros deveriam ter seu próprio estádio, e o governo federal
proporcionou recursos generosos para esse projeto – ao invés de investir em
escolas, estradas, e hospitáis. Os protestos atuais, vastos e raivosos, são o
paralelo Brasileiro da Primavera Árabe de 2011. É um movimento ACÉFALO,
organizado através das redes sociais, as quais se constituem em sua força
maior. É possível que ele não consiga definir a Política, mas certamente
consegue exercer pressão! E mobiliza o povo nas ruas. Começou em São Paulo em 6
de Junho com uma marcha de somente 500 pessoas, protestando contra um aumento
nas tarifas de transporte público. Desde então, no entanto, o movimento
explodiu em uma conflagração de descontentamento. Em 17 de Junho, 200 mil
pessoas marcharam no Rio de Janeiro, em Belém, e outras 20 cidades, e até 20 de
Junho em torno de 1 milhão e 400 mil pessoas sairam às ruas em protesto em mais
de 120 cidades. Manifestantes dançaram no teto da câmara do Congresso Nacional
na capital federal, Brasília, gerando imagens que foram divulgadas em todo o
mundo. Elas formam as manchetes de um levante popular que os jornais apresentam
com o mesmo orgulho com o qual publicam as vitórias da Seleção! O povo está
agitado, e o estabelecimento politico está com medo. A Presidente Dilma
Rousseff sentiu na pele a ira do povo: ela foi VAIADA durante o jogo de
abertura da Copa das Confederações em meados de Junho, e a sua taxa de
aprovação popular caiu 27 pontos desde aquele evento. Em um discurso
transmitido pela TV preparado às pressas, ela prometeu reformas profundas, e
acenou ao povo com a perspectiva de um referendo (nota
do tradutor: na verdade foi um plebiscito… ). Os aumentos nas tarifas de
transporte público foram cancelados, assim como foi engavetado um projeto de
lei escandaloso que visava dar a legisladores corruptos imunidade judicial. Uma
verba nova de 19 Bilhões de Euros (26 Bilhões de Dólares ou ~60 Bilhões de
Reais) para o transporte público foi supreendementemente aprovada. E agora, o
primeiro legislador corrupto que havia conseguido adiar o seu julgamento por 3
anos, acaba de ser preso. O governo vem literalmente tropeçando em seus
próprios passos na pressa de responder à pressão das manifestações…”
Vocês
já devem estar imaginando para onde o texto está enveredando, mas hoje
precisamos parar por aqui… não percam a conclusão na coluna da próxima semana.
É bom estar aqui de volta em contato com vocês, leitores e leitoras. Espero que
vocês também sintam o mesmo. Boa semana a todos!
O autor é
engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode
ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com).
(PENSAMENTOS No 22/2013 – Jornal da Região – ANO XX, No 1034 – 19/07/2013).
Nenhum comentário:
Postar um comentário