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quarta-feira, 20 de abril de 2011

AINDA SOBRE A (FALTA DE) EDUCAÇÃO



Recebi alguns comentários sobre meus últimos artigos nesta coluna indicando que eu estava sendo muito pessimista, que estava vendo só os “buracos do queijo”, deixando de ver “o queijo” pròpriamente dito que lá está para quem quiser ver. Será...? Às vezes é um exercicio salutar  tentar dar uma “volta extracorpórea”, e olhar para a gente mesmo como se estivéssemos fora do nosso corpo. Aí tentei procurar entre os artigos sôbre política educacional que abundam os veículos de comunicação desde o massacre do Realengo no Rio de Janeiro, aqueles que possuiam uma manchete positiva. “Vamos atrás do queijo”, pensei eu, pronto para sucumbir aos meus críticos, e admitir um certo pessimismo nos últimos textos sôbre a Educação, característica que absolutamente não é minha, mas que talvez, com o passar dos anos, teria se instalado subrepticiamente...? A busca não foi fácil... a maioria dos artigos sôbre política educacional tem a mesma linha crítica dos meus, mas aí me deparei com um artigo no caderno “cotidiano” da Folha de São Paulo de 11 de Abril p.p. cuja manchete era: “País supera ricos no gasto em escola...”. OPA... será o “queijo”? Vamos dar uma olhada, pensei...  mas logo no início depara-se com o seguinte subtítulo: “Percentual do PIB brasileiro que é destinado a despesas com educação particular é maior que a média do O.C.D.E.”. A título de esclarecimento, essa O.C.D.E. é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que congrega nações tidas como ricas, do “Primeiro Mundo”. O artigo diz que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicou que em 2009, 1.3% do PIB brasileiro foi investido em educação privada, enquanto a média dos países do O.C.D.E. foi de 0,9% no mesmo período. Mas espera um pouco... então a comparação é feita em termos de percentual do PIB?? Certamente o PIB dos países do O.C.D.E. são muito superiores ao do Brasil, portanto em valores absolutos os gastos nos países da O.C.D.E. são provàvelmente muito superiores ao do Brasil, ainda que a porcentagem do PIB seja menor. “Buraco do queijo”... e isso no ensino particular. E o ensino público, que é na verdade o alvo principal das minhas críticas? Escarafunchando um pouco mais no artigo, em um texto auxiliar de análise do analista Juca Gil, depara-se com o seguinte trecho: “Os dados do PISA (“Programme for International Student Assessment” – Programa Internacional para Avaliação de Estudantes) já indicam há muitos anos que as famílias brasileiras gastam demais com as escolas privadas, pelo menos do ponto de vista do custo-benefício. Se comparados os resultados dos estudantes destas escolas com os de escolas públicas da O.C.D.E., as privadas brasileiras são MUITO ruins (meu ênfase). Uma explicação para os brasileiros gastarem tanto em educação privada deve-se à pequena oferta pública de ensino... Em 2009, apenas 16,9% dos estudantes universitários brasileiros estavam em instituições públicas, sendo que a média  da O.C.D.E. era de 61,8%!! (meus pontos de exclamação)... Considerando o instrumento que equaliza o poder de compra entre países (chamado dólar PPP), o Brasil gasta POUCO com educação. A média da O.C.D.E. é QUATRO vezes maior que a brasileira!! (meu ênfase e meus pontos de exclamação!)” Portanto, “buraco”... não “queijo”. Não tem jeito... não importa como se pinta a pílula, quando se fala de Educação no Brasil, o gosto é amargo. E aí vem o golpe de misericórdia, algo que afeta a mim pessoalmente, o que sempre cala mais fundo do que divagações gerais, estatísticas, etc. No artigo mencionado da Folha há um depoimento de uma família  com quatro filhos em idade escolar. Diz a mãe, Sra. Ana Paula Figueiredo Fernandes, profissional na área de Recursos Humanos: “Vivemos para sustentar isso (o estudo dos quatro filhos em colégio privado). Não conseguimos viajar regularmente. Mas nem temos dúvida sobre a nossa opção. Trabalho com recursos humanos, e vejo a diferença que faz ter cursado escola privada. O currículo de um candidato de colégio público, na maioria das vezes, nem chega a ser avaliado.” Como é que é ?! O CURRÍCULO DE UM CANDIDATO DE COLÉGIO PÚBLICO, NA MAIORIA DAS VEZES, NEM CHEGA A SER AVALIADO?!?! Eu sou fruto do ensino público brasileiro nas décadas de 50 e 60; Colégio Caetano de Campos em São Paulo, Colégio Canadá em Santos, e Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Fiz minha carreira profissional nos Estados Unidos, onde a competição é a mais acirrada do mundo, e acho que não fiquei a dever nada a ninguém. Vinte anos antes de mim, nas décadas de 30 e 40, a minha sogra, Dra. Zuleika Picarelli Ribeiro do Valle, cursou o ensino público brasileiro (Ginásio do Estado de São Paulo, e Faculdade de Química da Universidade de São Paulo). Foi professora de Farmacologia e Bioquímica da então Escola Paulista de Medicina, e posteriormente Diretora do Instituto Butantan. Hoje aposentada, ela teve a honra de ser citada duas vezes em uma coletânea publicada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, listando os 50 trabalhos mais influentes no avanço da Medicina no século XX. Pois é, ela figura como autora em dois dos 50 trabalhos listados. Gente desse calibre é fruto do ensino público brasileiro de meados do século passado. Como é que nos últimos 60 anos fomos daquele calibre para candidatos cujo currículo “nem chega a ser avaliado”? Tentarei responder essa questão na semana que vem.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 15/2011 – Jornal da Região – ANO XVII, No 919 – 22/04/2011).

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