Total de visualizações de página

sexta-feira, 13 de maio de 2011

EDUCAÇÃO: VALORES INVERTIDOS


Há tres semanas atrás nesta coluna, sob o título “ESTÁ FALTANDO VERGONHA NA CARA DE QUEM?”, prometi retornar o assunto da derrocada do ensino público no Brasil. Nas últimas duas semanas, mortes que ocuparam a minha cabeça, e depois uma que ocupou a cabeça do mundo, tomaram conta da minha inspiração. Ao retomar o assunto nesta semana, lembrei-me de um texto publicado no fim do ano passado por um advogado de Belo Horizonte, professor de Direito, por nome Igor Pantuzza Wildmann, que expõe em carne viva o que está por trás da derrocada não só do ensino público, mas do ensino em geral. O Prof. Wildmann publicou o texto como um tributo a um outro professor,  Kássio Vinícius Castro Gomes, que acabara de ser brutalmente assassinado por um aluno por causa de uma nota baixa, e usou para isso o estilo de um outro texto famoso, de autoria de Emile Zola, cujo título original em Francês é “J’ACUSE!!”, ou seja, “EU ACUSO!!”. Respeitando o espaço de que disponho neste semanário, transcrevo a seguir a primeira parte do texto do Prof. Wildmann; a segunda parte fica para a semana que vem, juntamente com minhas conclusões. “EU ACUSO!!: Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova sub-sequente. (Notem bem: o alegado dano moral do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e  imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que era proibido proibir. Depois, a geração do não bate, que traumatiza. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha. Não dê provas difíceis, pois temos que respeitar o perfil dos nossos alunos. Aliás, prova não prova nada. Deixe o aluno construir seu conhecimento. Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, é o aluno que vai avaliar o professor. Afinal de contas, ele está pagando...” E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma”, prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade, temos que mudar ‘tudo isso que está aí; mais importante que ter conhecimento é ser crítico.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que o mundo lhes deve algo.  Um desses jovens revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar. Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca: EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa; EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a revolta dos oprimidos e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas; EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas; EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para adequar a avaliação ao perfil dos alunos; EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estarem; EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;” Parabéns, Prof. Wildmann! Eu não poderia ter escrito melhor. Não percam a conclusão na semana que vem!
 O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 18/2011 – Jornal da Região – ANO XVII, No 922 – 13/05/2011).

Nenhum comentário:

Postar um comentário