Vários leitores comentaram sôbre o artigo da semana passada nesta coluna, no qual eu escrevi que estive na antiga União Soviética na década de 1990. Muitos deles mostraram-se curiosos sôbre a viagem em si, perguntando o que eu fui fazer lá, e se havia mais “causos” que eu poderia publicar em referencia à viagem, além dos já publicados no contexto de expor a baixa qualidade de vida de povos vivendo sob um regime comunista. Resolvi, portanto, escrever esta semana um relato da viagem como um todo, esperando satisfazer a curiosidade dos leitores, aos quais eu agradeço pelos comentários. O ano era 1991, e eu havia recentemente assumidoa Diretoria Executiva na área de Sistemas de Informação e Computadores da área de pesquisa e desenvolvimento da firma farmacêutica Johnson & Johnson. Nessa época acontecia a sucessão de Mikhail Gorbachev na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), e a expectativa mundial era que a “glasnost” e a “perestroika” liderados por Gorbachev seriam consolidados pelo sucessor de Gorbachev, garantindo um processo de abertura de interações e colaborações com os países do Ocidente. O governo americano, sabendo da tradicional qualidade da pesquisa russa nas áreas da Matemática e de Ciência de Computação, começou a encorajar indústrias a explorarem a possibilidade de projetos conjuntos com Universidades e firmas na Russia que possibilitassem a transferência de tecnologia russa que viessem a beneficiar as indústrias americanas. O Ministério de Indústria e Comércio americano criou uma divisão que visava operacionalizar e financiar Comissões compostas de profissionais americanos em várias indústrias julgadas estratégicas para visitar a URSS e sondar oportunidades de colaboração com Universidades e firmas russas para transferir tecnologia russa para solo americano. E foi assim que eu recebi um convite para integrar uma Comissão da indústria farmacêutica para explorar a aplicação de tecnologia de informação aos processos de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Preferência era dada a profissionais que tivessem ancestrais russos, e como minha avó por parte de pai era russa, e minha formação era exatamente na área da Ciência da Computação, o meu nome foi indicado para participar de uma Comissão que, a convite do governo russo, iria explorar oportunidades de colaboração entre organizações russas e americanas na industria farmacêutica. Além de mim, dois outros profissionais compunham a Comissão, um engenheiro de produção cujos pais haviam se originado na região da cidade de Kiev, e um especialista em marketing que havia ele mesmo nascido na Látvia, e depois se naturalizado americano. E lá fomos nós passar 20 dias inesquecíveis na URSS. Nossa primeira parada se deu na cidade de Riga, capital da Látvia, interagindo com a Universidade local. Foi lá que eu vi em funcionamento um sistema de reconhecimento de voz humana e comando por voz de computadores mais avançado do que qualquer um que conhecíamos nos Estados Unidos, e tratamos de estabelecer um projeto conjunto que o transferisse para os Estados Unidos. Chegamos em Riga em um fim-de-semana, e aproveitamos para passear um pouco. Fica em Riga a maior Catedral Ortodoxa em solo russo, e nela se encontra o maior órgão existente em toda a Europa. No Domingo fomos visitar a Catedral, e o organista local estava ensaiando para um concerto que se aproximava. Estávamos pràticamente sozinhos na Catedral ouvindo aquele ensaio. O som do órgão era celestial, e um dos mais bonitos que eu ouvi em minha vida. Foi um privilégio único, pois o órgão só é usado em ocasiões muito especiais, e deu-nos a impressão inicial de um local de muita paz. Mas aterrisando em Riga, notei, do avião, que próximo ao aeroporto havia um conjunto enorme de prédios de tres andares que me chamou a atenção. Indagando posteriormente aos Professores da Universidade da Látvia que eram nossos anfitriões, aprendi que aquele conjunto de prédios abrigava nada mais, nada menos, do que o EXÉRCITO russo. Ocorre que seis meses antes da nossa visita, houve uma rebelião dos países bálticos (Estônia, Látvia, e Lituânia) visando a separação daqueles países do jugo Soviético. A rebelião foi esmagada pelo exército vermelho enviado por Moscow, e embora em Riga a situação já estava sob contrôle, o exército ainda se encontrava acampado nos arredores da cidade! Marcas da batalha de rua recente contribuiam para um sentimento estranho de que poderíamos estar no lugar errado na hora errada. Em frente ao hotel onde estávamos hospedados havia um jardim muito bonito onde costumávamos caminhar; em vários lugares desse jardim, cruzes improvisadas acompanhadas de fotos marcavam locais onde látvios haviam sido mortos pelo exército vermelho. Na coluna central da escadaria do hotel, uma sequência de furos em linha mostrava o resultado de uma rajada de metralhadora disparada do saguão do hotel. Embora a situação em Riga havia se acalmado, na capital da Lituânia, Vilnius, a luta de rua entre os locais e o exército ainda persistia. Em uma das manhãs quando descemos para o café, notamos que a recepcionista do hotel chorava, e acenava frenèticamente para que nos aproximássemos. Em um inglês bastante quebrado, ela apontava para um jornal local de Vilnius cuja primeira página mostrava um tanque do exército vermelho atropelando e matando rebeldes da fôrça local, e pedia que nós divulgássemos notícias dessas atrocidades, pois essas notícias não chegariam ao mundo ocidental. Os professores da Universidade nos levavam para almoçar em restaurantes no centro da cidade, e faziam questão de passar por pontos estratégicos da cidade onde barreiras anti-tanques ainda se encontravam presentes, e muitas delas apresentavam manchas de sangue seco daqueles que haviam perecido na batalha de rua. Muito pouco se soube no ocidente sôbre essa rebelião, mas nós a vimos ainda fresca na mente dos látvios, e nos causou um sentimento de insegurança indescritível. Mas sobrevivemos, e fomos em seguida para Kiev, onde reinava a paz, e onde eu vi peças lindas de arte de pirogravura usando uma técnica tradicional local como eu nunca tinha visto em qualquer outro local do mundo. Adquiri uma pequena caixa em uma galeria de arte que até hoje ocupa um lugar de destaque em nossa sala de visita, e menciono isto porque essa caixa foi causa de uma situação bastante tensa quando estávamos saindo da União Soviética. Comentarei sobre isso depois. Nossa próxima parada depois de Riga e Kiev foi Moscow, a famosa capital. Continuarei a descrição da nossa experiência em Moscow na próxima semana. Não percam! Bom fim de semana a todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 28/2011 – Jornal da Região – ANO XVIII, No 932 – 22/07/2011).
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