E então nós iamos para Moscow, ansiosos por conhecer a famosa capital da União Sovética. Até então, nossa estada em Riga e Kiev havia mostrado os sinais de um governo extremamente opressor, conforme descrito nesta coluna nas duas últimas semanas, porém dirigido ao seu próprio povo, nada particularmente dirigido a nós, o time de três viajores: um látvio naturalizado americano, um americano de ascendência russa da cidade de Kiev, e este brasileiro, residente nos Estados Unidos, de ascendência russa da então cidade de Leningrado. Apenas um detalhe pessoal merece menção até este ponto: como eu escrevi há duas semanas no artigo “COMUNISMO: QUE ATRASO DE VIDA”, a polícia russa existe para policiar a saída, e não a entrada no país, portanto ao chegarmos em Riga, nossa entrada na União Soviética, ninguém perguntou absolutamente nada sôbre o que levávamos na nossa bagagem, mas o nosso colega látvio, que não era marinheiro de primeira viagem na Russia, como eu e o outro colega, se dirigiu a um oficial da alfândega, e pediu três formulários de descrição de “bens de interesse”, um para cada um de nós, e nos orientou para listarmos qualquer objeto de ouro que tínhamos conosco. Achei aquilo estranhíssimo, mas obedeci, e listei minha aliança de casamento, e uma correntinha com um Agnus Dei que eu sempre uso no pescoço. Como explicou ato contínuo o colega látvio, e eu viria a aprender pessoalmente mais tarde ao sair da União Soviética, NINGUÉM sai de lá carregando sequer UM miligrama de ouro soviético. Êles são completamente paranóicos a respeito disso, portanto ouro não declarado na entrada é confiscado na saída sem maiores explicações. Outro detalhe interessante antes de comentar nossa experiência em Moscow diz respeito aos vôos. Os vôos de Copenhagen a Riga, e de Riga a Kiev, foram da compania aérea austríaca “Austrian Airlines”, e foram vôos normais, em aviões Douglass DC-9, como se está acostumado no ocidente. Mas o vôo de Kiev a Moscow foi pela compania russa Aeroflot, em um Tupolev 144. Nada de errado com o avião, a não ser que o interior dele parecia mais um ônibus. Os compartimentos de bagagem sôbre os assentos eram prateleiras abertas, e pasmem, embarcamos, tomamos nossos assentos, taxiamos, e decolamos, sem que NINGUÉM fizesse qualquer anúncio sobre segurança de vôo, afivelar os cintos-de-segurança, máscaras de oxigênio no caso de despressurização da cabine, saídas de emergência... nada!... NADINHA!! Ficamos nos entreolhando, estupefatos... e algumas horas mais tarde aterrisamos em Moscow, taxiamos para o portão de desembarque, e desembarcamos, sem ouvir sequer UMA palavra do piloto, ou de qualquer comissário(a) de bordo. Formidável! E aterrisamos em Moscow um pouco nervosos, mas sãos e salvos, e como eu já havia comentado, o nosso trio de viajores era um time de “experts” americanos convidado pelo governo russo para analisar e trazer à superfície projetos em potencial de interêsse à indústria farmacêutica para ação conjunta e colaborativa. Pois bem, em Moscow recebemos o tratamento VIP. Assim que saímos do avião, três membros do exército vermelho uniformizados nos esperavam, e nos conduziram a uma sala VIP, onde em um Inglês perfeito e pràticamente sem sotaque, fomos avisados que nossas câmeras fotográficas seriam confiscadas se tirássemos fotos dentro das dependências do aeroporto. Um empregado da Aeroflot apareceu como que por mágica empurrando um carrinho com nossa bagagem, a qual havia desaparecido nas mãos de um outro funcionário da Aeroflot em Kiev, sem que qualquer comprovante nos fosse dado. O pensamento de passar o resto da viagem na Russia com sòmente a roupa do corpo era inquietante. Mas as malas apareceram, e fomos então conduzidos a uma limousine Mercedes Benz (aparentemente na terra dos “iguais”, nós já éramos mais iguais do que êles...), sempre acompanhados de um dos soldados que falava um Inglês impecável, e fomos então conduzidos a um Hotel VALUTA (ver esta coluna de duas semanas atrás: “COMUNISMO: QUE ATRASO DE VIDA”), onde o cidadão comum russo não era sequer admitido no saguão de entrada. Mais uma amostra de que nós realmente já eramos considerados mais “iguais” que êles, e na terra deles! Fomos informados pelo soldado que nos acompanhava que os dias em Moscow estavam completamente tomados com visitas agendadas às Universidades, hospitais (os tais do Inferno de Dante citados nesta coluna duas semanas atrás...), e firmas farmacêuticas, mas que o restante daquele dia podia ser usado para fazermos um pouco de turismo na cidade, e fomos então levados à famosa Praça Vermelha, onde visitamos o túmulo imponente do Camarada Lênin, e também a famosa e impressionante Catedral de São Basílio, com seus minaretes multi-coloridos. Vimos também o imponente prédio ocre do Kremlin, mas este só por fora, e com lembretes frequentes que nem pensássemos em usar nossas câmeras fotográficas. De volta ao Hotel, tivemos naquela primeira noite em Moscow uma noite muito mal-dormida, desde que pràticamente de hora em hora o telefone do quarto tocava, e uma voz feminina do outro lado em um Inglês bem quebrado, oferecia favores sexuais em troca da nossa VALUTA. Nossas negativas não desencorajavam o telefonema da próxima hora, e foi preciso uma ordem expressa do nosso soldado acompanhante na manhã seguinte para que nos deixassem dormir em paz nas noites que se seguiram, embora um ou dois telefonemas por noite sempre checavam se não havíamos mudado de idéia. Com o tráfego intenso da capital, às vezes nos deslocávamos de visita em visita usando o Metrô de Moscow, que é uma curiosidade por si só. Construidas também como abrigo para a população contra um ataque nuclear, as estações do Metrô de Moscow são tão profundas, que as escadas rolantes de acesso desde a superfície parecem que mergulham sem fim para as entranhas da Terra, e essas escadas rolantes se movem com pelo menos o dobro da velocidade de qualquer outra escada rolante que eu havia experimentado em qualquer outro lugar do mundo. É preciso um cuidado todo especial ao entrar e sair delas para não cair, e impressiona ver os idosos usarem essas escadas rolantes sem se machucar. Outra característica interessante das estações é que as plataformas dos trens são verdadeiros museus de arte, exibindo pinturas e esculturas de artistas russos localmente importantes mas internacionalmente desconhecidos (pudera... lembrem-se, a polícia não deixava ninguém e nada sair de lá...). Muito bonitas as estações do Metrô de Moscow. Na semana que vem concluiremos a visita a Moscow, e vamos a Leningrado, terra natal da minha avó paterna, e nossa última parada dentro da União Soviética naquela viagem. Não percam a Parte III na próxima semana! E uma boa semana a todos.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 29/2011 – Jornal da Região – ANO XVIII, No 933 – 29/07/2011).
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