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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

VIAGEM À RUSSIA – Parte III


Ainda algumas curiosidades de Moscow, antes de embarcarmos para a então Leningrado quando eu lá cheguei, e St. Petersburg, o nome original da cidade, quando eu de lá saí! O ano era 1991,e foi uma época realmente sui-generis para estar na Russia. A “glasnost” e a “perestroika” lançadas por Gorbachev enfrentavam seu primeiro grande teste na sucessão do Primeiro Ministro, e a candidatura de Boris Yeltsin representava a continuação dos processos. E pela primeira vez em muitas décadas o povo estava sendo consultado em um plebiscito. Pude presenciar então política de rua como há muito não via, certamente não nos Estados Unidos, onde eu residia, e também não no Brasil. Várias vezes observei pessoas simples “emergirem das entranhas da Terra” (as estações do Metrô, como comentei na semana passada) carregando um bauzinho de madeira, parar nas imediações do topo das escadas rolantes, onde era maior o tráfego de transeuntes, abrir o bauzinho e retirar de dentro uma placa com dizeres que representavam uma posição política, trepar no bauzinho vazio improvisado como um banquinho, e segurar a tal placa ao alto da cabeça. Imediatamente, transeuntes começavam a parar e ler a placa, uns aplaudiam, outros xingavam (não que nós entendêssemos o xingamento, mas o tom exaltado em que êle era proferido era inconfudível...), e uma pequena multidão se formava em torno do fulano com a placa, e discussões acaloradíssimas se seguiam. Muito interessante! Como vocês sabem, Yeltsin foi eleito, e a abertura lançada por Gorbachev continuou. Mas a “linha dura” saudosista do politburo não estava disposta a se entregar assim tão fácil, e alguns de vocês devem se lembrar que houve até um atentado sabotador de incendiar o andar do prédio do politburo onde funcionava a campanha de Yeltsin, e onde êle tinha um escritório de trabalho. Isso foi noticiado no ocidente, e no meio de todo aquele fervor da política de rua, eu estava naquele dia em frente ao prédio do politburo, observando as labaredas que lambiam a fachada do prédio oriundas do tal andar. O fogo foi logo debelado e só houve danos materiais; o noticiário local disse que um sósia de Yeltsin estava no escritório (prática comum para despistar sabotadores em regimes opressores...), o qual havia escapado só com escoriações leves. Alguns figurões foram presos... muita excitação. Havia em mim e meus colegas da comissão uma inegável ansiedade de poder estar no lugar errado na hora errada em meio a um regime useiro e vezeiro de repressões violentas. Mas havia também aquele sentimento indescritível de estar observando a história acontecendo. Das visitas oficiais, só se salvavam as Universidades, onde cientistas competentes em Matemática e Ciência da Computação ansiavam por contatos e trabalho conjunto com o Ocidente. Os hospitais eram o Inferno de Dante, conforme já comentado em texto anterior (COMUNISMO: QUE ATRASO DE VIDA!!), e as industrias farmacêuticas mostravam um grau significante de atraso em relação ao ocidente tanto em processos como em produtos. Ao término da nossa estada em Moscow fomos convocados a visitar um figurão do Ministério da Saúde para reportar nossas impressões. Adentramos um prédio pomposo, e guiados pelo nosso soldado de plantão, passamos reto pela típica secretária, e entramos em um escritório enorme, sem mesa de reunião, mas com uma escrivaninha também enorme e pesada, atrás da qual estava o seu típico burocrata, fumando um charuto, e nos olhando e tratando com nítido desdém. Falava em russo, e o colega látvio e o soldado de plantão traduziam, este sempre enfatizando que estávamos diante do “braço direito” do Ministro da Saúde, o segundo em comando. Narramos o que vimos sem dourar a pílula, e êle continuou a se mostrar indiferente, nenhuma reação. Eu não pude, no entanto, deixar de notar que ao lado da escrivaninha massiva havia uma outra mesa sôbre a qual havia 15... contem, QUINZE aparelhos de telefone! Quando nos despedíamos eu não aguentei, e perguntei ao figurão (não consigo lembrar o nome dele...) como êle sabia qual telefone estava tocando, quando algum chamava. O látvio acompanhou a brincadeira, e traduziu a pergunta, ao que o burocrata, visivelmente irritado, balbuciou algo que nem o látvio nem o soldado traduziram. Guiando-nos ràpidamente para fora do escritório, o soldado firme mas polidamente me pediu que não fizesse mais brincadeiras do tipo, e esclareceu que o número de aparelhos telefônicos no escritório era um sinal de status... Pode? O vôo de Moscow para Leningrado foi mais uma aventura Aeroflot, com o agora já conhecido silêncio dos pilotos e comissários(as) de bordo, com a diferença que desta vez um carrinho com ítens DUTY FREE ficou estacionado ao lado do nosso assento durante todo o vôo... VALUTA...  com ou sem turbulência, incluindo decolagem e aterrissagem. Ninguém parece se preocupar muito com segurança de vôo na Aeroflot... já pegar o seu VALUTA, ah... nisso êles são experts. Mas antes de chegar ao Tupolev 154, o embarque no aeroporto de Moscow merece também menção especial: fomos para uma sala VIP do aeroporto onde havia um mezanino de observação do páteo dos aviões, e um corredor comprido em declive que terminava em uma porta de acesso ao saguão de check-in e embarque para os “iguais” do povo... só que nós já éramos mais iguais que êles, conforme já comentado anteriormente. Aí apareceu o funcionário da Aeroflot que some com as malas, sem dar qualquer tipo de canhoto ou comprovante de qualquer espécie.... voltou um pouco o medo de passar o resto da estada na Russia com a roupa do corpo. E aí, para encerrar Moscow com chave de ouro, apareceu uma outra agente da Aeroflot, uma daquelas russas do tamanho de um armário, que disse, séria, “sigam-me por favor”. E ato contínuo enveredou pelo corredor em declive, e nós três atrás em fila única. O látvio, que estava atrás de mim, ciente da cena grotesca que estava por vir, susurrou para mim: “aconteça o que acontecer não argumente, e não saia da filinha. Continue andando!” A porta no fim do corredor dava acesso ao saguão de embarque, e assim a fila de 4 adentrou o mundo dos “iguais” que estava repleto de gente. Pois bem, a nossa líder destemida começou a abrir caminho para nós na base do sopapo. O povo esbravejava e ela tocava em frente sem a menor cerimônia... e nós atrás. Ao chegarmos no portão de embarque do nosso vôo para Leningrado, não havia nenhum detetor de metais, ou coisa que o valha, apenas uma meia porta para forçar a passagem de apenas um passageiro por vez. Um dos passageiros já havia dado o documento de embarque para a agente do portão, e estava prestes a passar pelo mesmo quando nós chegamos, e a nossa líder não teve dúvida: parou o homem com u’a mão de ferro no peito enquanto nós passávamos, e êle esbravejava em vão. Foi uma cena extremamente deprimente... É assim que os “iguais” são tratados na terra deles! Na Parte IV da semana que vem chegaremos a Leningrado, ou St. Petersburg. Eu prometo... Boa semana!
 O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 30/2011 – Jornal da Região – ANO XVIII, No 934 05/08/2011).

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