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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

VIAGEM À RUSSIA – Parte IV


... e o Tupolev 154 decolou de Moscow e pousou na então Leningrado novamente sem qualquer pio do piloto ou de qualquer comissário(a) de bordo sobre segurança, e sem qualquer menção de algo ser servido para comer ou beber, só o carrinho de “Duty Free” conforme comentei em coluna passada. Leningrado era a terra natal da minha avó paterna, cidade que foi fundada  Saint Petersburg em 1703 pelo Tsar Pedro (Peter), o Grande, no tempo da minha avó passou a se chamar Petrogrado, mudança que ocorreu em 1914, até que os “Comrades” decidiram fazer uma homenagem a Lenin e mudaram o nome para Leningrado em 1924. O porque dessa minha descrição dos nomes da cidade ficará claro mais adiante na coluna. Chegamos à noite, e fomos levados diretamente para o nosso hotel. Já no translado do aeroporto, notei que a cidade tinha um ar totalmente diferente do de Moscow, um ar, por assim dizer, professorial, culto, austero, sem a opressão sempre presente da presença governamental maciça de Moscow. Chegamos ao hotel pouco antes das 10 da noite, e ainda estava claro no verão do hemisfério norte, esfomeados pois, de fato, NADINHA havia sido servido no avião. O hotel era simples, mas austero, muito aconchegante. Na recepção um dos atendentes falava um Inglês quase perfeito, só com um ligeiro sotaque, e nos fez sentir muito à vontade, ao contrário do que havíamos experimentado na União Soviética até aquela cidade, como deve ter ficado claro ao leitor nas colunas anteriores sobre este tema. Polidamente fomos informados que o restaurante do hotel estava quase fechando, portanto praticamente jogamos nossas malas nos quartos, e corremos para o restaurante, pois não queríamos nos arriscar a ter de comer algo fora do hotel em uma cidade que não conhecíamos, pois por sugestão dos nossos próprios anfitriões em todos os lugares por onde passamos, até para escovar os dentes usávamos água mineral... O restaurante, como o resto do hotel, era simples e aconchegante,  estava realmente praticamente fechado. Os garçons ainda uniformizados jantavam em uma mesa em um canto, e nós éramos os únicos hóspedes presentes. em um pequeno palco no recinto havia música tradicional ao vivo, uma orquestra de uma dúzia de balalaikas, um som muito melodioso. Um dos garçons se aproximou com o cardápio, e com êle, veio o líder da orquestra. Em um Inglês quebrado, e falando muito com as mãos, êle perguntou de onde nós éramos. Meus companheiros se apressaram em dizer que nós éramos dos Estados Unidos, e eu notei que não era bem o que ele queria ouvir... aí eu disse que era Brasileiro, e êle abriu um sorriso enorme, e fez um sinal com as mãos para que eu escutasse, e voltou correndo para o palco. Enquanto apontávamos no cardápio o nosso pedido, notei que o tal maestro confabulava com os elementos da orquestra, distribuindo partituras que êle tirara da sua valise e claramente não faziam parte do programa daquela noite... e aí ocorreu o primeiro momento em Leningrado que me levou às lágrimas...comecei a ouvir os primeiro acordes de... pasmem!... Tico-Tico no Fubá! Voces já ouviram Tico-Tico no Fubá tocado por doze balalaikas? Foi simplesmente indescritível. Depois do jantar caí na cama exausto, sem prestar muita atenção no quarto, mas com conforto. A cama pronta, o quarto escuro... afinal era noite... o abajur aceso no criado-mudo e um chocolatinho (Lindt, suisso... hotel VALUTA...), o primeiro, no travesseiro. No dia seguinte, notei que a cortina nas janelas do quarto eram em tres camadas, todas pesadas, escuras, cor de vinho, alem do forro. Achei aquilo estranho, e resolvi perguntar ao nosso recepcionista que falava Inglês o porque. A resposta dele foi enigmática: “hoje à noite, se você puder, observe o por-do-sol...”. Naquela noite fiz o que êle sugeriu, pedi o jantar no quarto, e fiquei observando o sol. Lá pelas 23:30, o sol desceu próximo à llinha do horizonte, disco bonito, vermelho, no lusco-fusco da tarde. E daí, começou a subir novamente! Não há noite! Por isso as cortinas tríplices e escuras... para poder escurecer o quarto. Aí eu me dei conta que pela primeira vez eu estava a mais de 60 graus de latitude norte... Leningrado e um pouco mais de 2/3 do caminho entre o equador e o polo norte. Agradeci ao recepcionista a dica na manhã seguinte, e êle me disse que no inverno, o dia clareia às 11 da manhã, e escurece às duas da tarde! Já pensou? As visitas oficiais em Leningrado se limitaram às Universidades, e foram muito proveitosas, acabando em apenas alguns dias. Aí o nosso calendário incluiu alguns dias para que nós aproveitássemos uma visita às nossas origens, e o time se separou. O colega látvio voltou para Riga, o outro colega voltou para a Kiev dos seus ancestrais, e eu permaneci em Leningrado. Antes que nos separássemos ocorreu a cena do sorvete que eu descrevi há algumas semanas nesta coluna (COMUNISMO: QUE ATRASO DE VIDA!!). Aí eu comecei a explorar um pouco a terra da minha avó paterna, que se chamava Eva. Comecei a andar um pouco pelas bonitas alamedas, sombreadas pelas Árvores Linden, e observar o povo, e aí veio o segundo momento que me levou às lágrimas em Leningrado, pois comecei a ver nas conterraneas da Dna. Eva os maneirismos dela... o modo de rir, o modo de andar, o modo de olhar... foi impressionante! Dna. Eva nos deixou em 1973, e 18 anos depois era como se eu estivesse revivendo a sua presença, com aqueles olhos azul-piscina. Imaginei-a na sua meninice, por aquelas mesmas alamedas. Amante da música clássica, notei no hotel que estava havendo uma competição de corais europeus em um teatro local, portanto adquiri um ingresso para a apresentação final, que ocorria naquela semana, e lá fui eu prestigiar a competição. A acústica do teatro era simplesmente celestial, e os corais eram afinadíssimos. O espetáculo era, de fato, uma oportunidade única por si só, mas lá pelas tantas o Maestro Diretor da competição subiu ao palco, e visìvelmente emocionado, voz embargada, lágrimas nos olhos, anunciou que acabara de ter sido aprovada a volta do nome da cidade ao nome original de Saint Petersburg, e ato contínuo pediu aos 5 corais finalistas da competição que em conjunto entoassem o hino russo. Foi um momento incrível. A platéia em volta de mim estava aos prantos, e cantava o hino junto com os corais. Não tinha pensado que o assunto poderia ser tão carregado emocionalmente, porém é fácil entender o que estava acontecendo. Era a abertura em andamento, a “perestroika”, e a população culta e oprimida de Leningrado, ou a partir daquele momento Saint Petersburg, comemorava. Foi um privilégio estar lá em momento tão significativo. Chegamos em Leningrado, agora novamente com seu nome original de Saint Petersburg, e foi de lá que eu saí da União Sovietica. Porem há  ainda alguns detalhes de Saint Petersburg que merecem  seus lugares nesta série de artigos. Boa semana a todos, e nao percam a Conclusão desta serie na semana que vem.
O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com). (PENSAMENTOS No 31/2011 – Jornal da Região – ANO XVIII, No 935 12/08/2011)

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